Etnogeografia, reconhecimento e afetividades no Centro-Oeste Brasileiro
Através do Espaço como objeto de estudo da Geografia e as categorias de análise
desta ciência sendo elas: Território, Paisagem, Lugar e Região, a etnogeografia ainda
estabelece conexão entre a Geografia e Antropologia, considerando as relações
indissociáveis entre o homem e o meio. As relações estabelecidas entre o ser humano e o
ambiente produzem afetividades, memória, significações e, dependendo da posição que
os grupos ocupam, geram diferentes representações/atuações sociais em esferas
comunitárias, familiares e institucionais, configurando distintas formas de
reconhecimento. Subjaz destacar (tendo em vista o alicerce da etnogeografia), que o
método etnográfico deve ser reflexivo, estimulando um debate político epistemológico,
analisando as relações de poder e considerando a experiência como fator de autoridade
etnográfica (CLIFFORD, 2002). Há, portanto, a necessidade do pesquisador se deixar ser
afetado pelo campo, para poder entende-lo em sua integridade e principalmente
compreender “uma variedade particular de experiências humanas” (FAVRETSAAD,2005). Portanto, o objetivo deste Grupo de Trabalho (GT) é atrair contribuições
etnogeográficas do centro – oeste brasileiro, por meio de pesquisas que utilizem tanto o
Espaço, quanto as categorias de análise da Geografia, refletindo as afetividades e as
formas de reconhecimento na relação entre o ser humano, o meio e o mundo circundante.
Também serão aceitas produções que incluam reflexões pessoais do pesquisador, suas
percepções e emoções.
”Yuxú: Etnogeografia das Afetividades e Conflitos no Território Tradicional Terena”
- Paulo Baltazar; Celma Francelino Fialho
Resumo: O Yûxu que significa “Pilão” está localizado na divisa entre aldeia Ipegue e a divisa da então Fazenda Esperança, território tradicional Terena, que foi retomada no dia 30 de maio de 2013. O Yûxu é um lugar de memória e de afetividade que multiplica, que foi repassado de geração a geração entre os Terena moradores da aldeia Ipegue e da Colônia Nova, que estão ligados diretamente, indo além da topofilia de amor pelo lugar, de respeito com a água, com a mãe d’água, que se encontra no Yûxu. Mas a cosmovisão Terena em relação à natureza vai além do Yûxu, é mais ampla, pois não é qualquer natureza, mas local de moradia dos espíritos, do mito da água que está presente. Por isso, as crianças foram ensinadas, desde pequenas, a respeitar o Yûxu, não sendo permitido lavar as mãos, lavar o rosto, colocar o pé dentro dessa mina d’água. Um de nossos informantes em 2016, com 85 anos de idade falou que desde quando os seus avós chegaram à aldeia, o Yûxu já existia, inclusive sendo muito utilizado pela maioria dos moradores quando não tinha água encanada na aldeia. Isso significa dizer que Yûxu foi primordial para territorialização da aldeia Ipegue e, depois, a aldeia Colônia Nova, sendo a primeira um dos mais antigos aldeamentos, junto com aldeia Bananal, com ocupação que precede a Guerra da Tríplice Aliança. Com isso, a libertação e o sossego merecido do Yûxu vieram junto com a retomada da Fazenda Esperança, que é terra tradicional indígena, onde se pode observar que atualmente a água está jorrando forte, inclusive com lambaris, que voltaram ao leito do curso d’água, alimentando “açude velho” da aldeia Ipegue.
”Topós Alegórico: Lugares Amorfos”
- Jade Chaia
Resumo: A presente proposta parte do tema da alegoria e da paisagem, em especial, a partir da análise benjaminiana sobre a alegoria e o drama trágico. É na alegoria que está impresso como um selo os elementos do lugar histórico, sem que necessariamente espelhem a sociedade; é o elemento constitutivo de como se compreende o mundo. É esse conteúdo histórico que está implicado na noção de paisagem. Uma paisagem que passa a ser apropriada pela alegoria. A paisagem seria uma forma de ordenação, limitação e aproximação da linguagem apreendida, de maneira a dar a ela maior proximidade com o mundo real. A natureza nessa relação é imediata e inexperenciável, é meramente passagem mediada e suprimida. Nessa perspectiva, o objetivo é analisar a noção de paisagem como sendo um construto de uma demanda do ser humano, mas para tal, é preciso, igualmente, articular a noção de alegoria, de modo a articular conceitualmente esses dois elementos chaves. Uma espécie de ordenamento do mundo condicionada a um elemento engana olho; um quadro de visão que recorta a natureza e põe em perspectiva em um quadro mental construído. Uma paisagem elaborada. Todo esse movimento direciona para o modo de compreender o território como nada mais do que uma paisagem investida, demarcada, marcado pelo olhar do proprietário e seus elementos de civilização. Uma territorialidade, que acaba por carregar construções mentais e visuais de ver, e orienta para um discurso cindido, para uma política da paisagem inteiramente comandada pela consideração dos lugares e das pessoas.
”TERRITORIALIDADE E TRADICIONALIDADE RIBEIRINHA: OLHARES SOBRE O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO E CULTURAL NA COMUNIDADE PASSO DO LONTRA – CORÚMBA-MS”
- Eduardo Gomes da Costa; Thiago Araujo Santos
Resumo: No coração do Pantanal, região conhecida internacionalmente por sua expressiva beleza e desde 1993 Área Especial de Interesse Turístico (AEIT), está localizada a comunidade Passo do Lontra. No entroncamento da Estrada Parque Pantanal com o rio Miranda, nas proximidades da Base de Estudos do Pantanal (BEP) da UFMS. O presente trabalho busca analisar a formação histórica e o desenvolvimento cultural dos saberes dos habitantes da comunidade, levando em conta as formas de reprodução da vida e do trabalho no Passo do Lontra. Essa análise se baseia em uma revisão bibliográfica de trabalhos relacionados ao Passo do Lontra aliada a entrevistas realizadas com moradores da comunidade. Historicamente habitada pelos trabalhadores das fazendas de pecuária, na segunda metade do século XX com o acelerado desenvolvimento do capitalismo pós guerra, surge no Pantanal grande interesse turístico, assim, a partir da década de 1970 diversos hotéis e pousadas passam a se estabelecer na região. Encontram, então, mão de obra barata nos ribeirinhos, que apresentam uma condição de vida econômica e social precária, vivem em grande parte desassistidos de ações do Estado e tem sua subsistência e fonte de sobrevivência recursos extraídos do rio Miranda e sua biodiversidade, se tornando assim dependentes da atividade turística até os dias atuais. Observa-se que a “identidade ribeirinha” no Lontra se reproduz tanto através de uma posição geográfica: se viver na beira do rio, quanto da pesca e do trabalho relacionado ao rio, identificação essa carregada de saberes tradicionais que acabam apropriados pela atividade turística em prol do capital.
“O RIO PRA MIM É TUDO, O RIO É A MINHA VIDA”: E SE O RIO SECAR, A VIDA DESTA PILOTEIRA ACABA?!”
- Tatiane Aparecida D. de S.Fernades; Ricardo Luiz Cruz
Resumo: Lurdes é uma jovem piloteira do Pantanal Sul-Mato-Grossense, cujo reconhecimento profissional é enraizado na esfera familiar. Influenciada por seus pais e avós, ela absorveu as disposições a ela expostas, assumindo a mesma função de seus pais no contexto social. O objetivo desta pesquisa foi explorar a trajetória de vida de Lurdes, desde a incorporação dos seus hábitos até a sua formação como piloteira, destacando os afetos, o sentimento de pertencimento ao meio, ao território e ao espaço, além da dependência e legitimação de sua identidade através do rio e da sua profissão. Para tal, utilizei a etnografia e etnogeografia como método, devido às relações indissociáveis estabelecidas entre essa jovem e o espaço que ela ocupa. Durante o campo, Lurdes inicialmente romantizou sua profissão, no entanto, à medida que ganhei espaço e confiança, a jovem começou a revelar gradualmente as dificuldades enfrentadas como mulher e piloteira, como por exemplo, ter que trabalhar como faxineira em pousadas para complementar a renda devido a limitada frequência de suas atividades como piloteira, ocorrendo apenas três vezes por mês. Essas revelações evidenciam a distribuição desigual de oportunidades no mercado turístico que domina o Pantanal Sul, como também, que apesar de Lurdes ter profunda paixão pelo rio Miranda e reconhecer sua função laboral como legitimadora de sua identidade, não a isenta de sofrer os mesmos prejuízos causados pelo trabalho precário.
”DESINFORMAÇÃO E PANDEMIA: RELATO DE UMA TRABALHADORA DA PESCA NO PANTANAL SUL”
- Ana Adelaide Ortega; Mara Aline Ribeiro
Resumo: Nessa proposta serão apresentados os prejuízos causados pelas falsas informações no decorrer da pandemia e destaca a importância da conscientização da população por meio de informações relevantes. Esforços significativos foram realizados na área da saúde e políticas públicas para compartilhar informações corretas e educativas relacionadas à saúde, incluindo campanhas de combate, conscientização e prevenção de doenças. A grande maioria dos/as líderes mundiais, com exceção de representantes governamentais de extrema direita, como, por exemplo, o ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro, autoridades públicas e científicas se uniram para conscientizar a população sobre a gravidade da pandemia e reduzir a disseminação do vírus. No entanto, a imprensa enfrentou o desafio de desmentir as informações falsas, também conhecidas pela expressão na língua inglesa “fake news” sobre a vacinação, disseminadas por fontes não confiáveis devido à velocidade da transmissão de notícias pela internet. As mídias desempenham um papel crucial nesse contexto, mas também é necessário examinar o combate ao vírus em áreas não urbanas e entender como as políticas públicas são direcionadas à interlocutora. Considerando o contexto pandêmico, é fundamental analisar como diferentes segmentos da sociedade são afetados socialmente e quais recursos são utilizados na prevenção e conscientização da doença, levando em conta fatores socioeconômicos e de gênero. Promover o debate sobre os meios utilizados para conscientizar sobre a doença, considerando a experiência das trabalhadoras da pesca durante a pandemia, é pertinente, uma vez que muitas mulheres enfrentam dificuldades socioeconômicas decorrentes da pandemia e, consequentemente, a falta de informação sobre o combate à covid-19, resultando em uma nova perspectiva de mundo. Sendo assim, o objetivo do trabalho é analisar os elementos políticos no discurso negacionista da pandemia. Nesse estudo, os esforços foram concentrados nas comunidades ribeirinhas do Pantanal, particularmente nas trabalhadoras da pesca. A metodologia conta com entrevistas semiestruturadas e ferramentas etnográficas, bem como a forma com a qual as notícias verdadeiras e falsas sobre a covid-19 chegaram à região e, principalmente, como foram compreendidas e compartilhadas pela interlocutora. O referencial teórico se sustenta na antropologia, sobretudo, em estudos etnográficos.
”TEMPO DE OXIGENAÇÃO: EXPLORANDO A ALTERIDADE NOS ESTUDOS ETNOGEOGRÁFICOS”
- Noah de Aguiar Pinho; Tatiane Aparecida D. de S. Fernandes
Resumo: Pautados no método etnográfico, os estudos etnogeográficos desempenham um papel fundamental na compreensão dos desdobramentos humanos diante da ocupação do espaço, estabelecendo uma relação expansiva entre Geografia e Antropologia. Seu objetivo é enriquecer o valor simbólico, cultural e territorial, ao questionar os enviesamentos de poder que permeiam a epistemologia política. Infere-se que a dicotomia entre civilização e barbárie, herança da visão colonial, ainda persiste na contemporaneidade, com o binarismo metrópole versus periferia, perpetuando a marginalização das criações artísticas dos povos considerados “inferiores”, que precisam ser homogeneizados por trejeitos paternalistas, resultando na desvalorização da cultura simbólica e geográfica desses grupos. Logo, o objetivo deste trabalho, a partir de pesquisa bibliográfica, é analisar como a noção de alteridade contribui para o reconhecimento e entendimento de pessoas ou grupos, possibilitando questionamentos frente aos desequilíbrios de poder que historicamente têm impedido uma relação mais fluida entre as culturas e o espaço geográfico, cultural, simbólico e natural. Além disso, busca-se explorar como a afetividade é eminente para a manutenção dos estudos etnogeográficos. Para esse fim, o debate deste estudo partirá da concepção de que a valorização da alteridade possibilita o desmantelamento do binarismo opressor, abrindo espaço e oxigênio para o reconhecimento do Outro, que é detentor de oportunidades de trocas assimétricas e transformadoras, sendo um alter-ego que complementa o que não somos. Nesse sentido, a consideração da afetividade/alteridade viabiliza ampliar o campo de visão por meio de uma visada estrábica, que permite enxergar não apenas o Alheio, mas também a rua, a montanha, a planície, o mar e o além-mar e suas relações com o meio que ele ocupa.
”AFETIVIDADES E MÚLTIPLAS TERRITORIALIDADES: UMA ETNOGEOGRAFIA DA COMUNIDADE QUILOMBOLA TIA EVA EM CAMPO GRANDE – MS”
- Gabriely de M. dos Santos; Tatiane Aparecida D. de S Fernandes; Cláudia Heloiza Conte
Resumo: Localizada na cidade de Campo Grande – MS, a comunidade quilombola Tia Eva é marcada por diversos eventos que a transformam em um espaço profícuo de estudos etnográficos com ênfase na Etnogeografia. Fundada por Eva Maria de Jesus em 1905, mais conhecida como Tia Eva, foi uma mulher escravizada, benzedeira e parteira, que partiu do estado de Minas Gerais em busca de um Espaço que pudesse garantir moradia a ela e seus descendentes. O objetivo deste trabalho é evidenciar como a relação de Tia Eva com o seu meio foi capaz de consolidar a comunidade a partir das múltiplas territorialidades que fora construindo em sua jornada. Para tal, este trabalho utilizou-se do método etnográfico e etnogeográfico, através de conversas informais com moradores da referida comunidade. Como resultado, verificou-se que a relação afetiva entre a comunidade e seu meio deram origem a diversas memórias e significações, dentre elas diz respeito a como Tia Eva é reconhecida pela comunidade, ora como benzedeira e parteira, ora como ativista que lutou pela liberdade. O território ocupado também produz diversas significações, enquanto para a comunidade o espaço é visto como meio de garantir suas identidades, culturas e memórias, por outro lado, urge uma disputa imobiliária em torno deste grupo, sendo reconhecido como um território de lutas simbólicas.