Retomando territórios e modos de existir: experimentações de povos indígenas e comunidades tradicionais
Este grupo de trabalho busca reunir pesquisas que apontem para distintas percepções sobre “retomada” enquanto categoria conceitual, que engloba a luta pela terra e recuperação de posse territorial, mas também as retomadas existenciais, que se dão em relação a reativação de saberes, relações de parentesco, festas, mobilizações, falas, cantos-rezas, danças, afetos e desafetos. Desde o final dos anos de 1970 a categoria “retomada” elaborada pelos Kaiowa e Guarani em Mato Grosso do Sul, em referência ao ato de reocupar a terra outrora esbulhada com o incentivo do Estado brasileiro, vem sendo utilizada como estratégia de ação política guarani e kaiowa e ganhou relevo no início dos anos 2000, se expandindo enquanto uma possibilidade filosófica de existência – indígena ou não. Desta maneira, o objetivo deste GT é reunir pesquisas que se debrucem sobre esta categoria, conectando os esforços sobre as compreensões indígenas e dos demais povos e comunidades tradicionais sobre ela, no intuito de compreender uma “política de retomadas” praticada entre estas populações. Esperamos recepcionar etnografias e autoetnografias de povos indígenas, quilombolas, mulheres cis e transgênero, camponeses, ribeirinhos, pessoas LGBTQIAPN+, povos de terreiros, ciganos e demais povos e comunidades tradicionais que encontrem nesta categoria ressonâncias para uma filosofia do bem viver.
‘“Índios” no topo: uma análise antropológica do álbum de um rapper terena da Reserva Indígena de Dourados”
- Hildyanne Teixeira Cruz; Giovanni Radaelli Cenci; Aline Castilho Crespe
Dourados, Mato Grosso do Sul abriga a Reserva Indígena de Dourados (RID), dividida em duas aldeias: a Jaguapirú e Bororó. Demarcada em 1917 pelo antigo Sistema de Proteção ao Índio, reúne indígenas das etnias Guarani, Kaiowá e Terena. Aos olhos estrangeiros a reserva é facilmente confundida com um bairro da cidade, ficando próxima, inclusive, de condomínios de luxo da região. Nesse contexto reside o terena Mario Adriano, 18 anos, que lançou seu primeiro álbum intitulado “Índios” no topo, no qual canta sobre os dilemas de um início de vida adulta sob a sua perspectiva enquanto jovem indígena que participa do movimento hip hop douradense e busca ascensão social através da música. A intenção do rapper é se colocar como espelho para jovens indígenas da RID que, conforme o mesmo, cresceram sem uma figura paterna como exemplo, e por isso sofrem influência do tráfico local que usam da violência como meio de obter dinheiro e acumular bens. Mario tenta mostrar um caminho alternativo e se apresenta como um espelho, como um jovem indígena que pretende ascender social e financeiramente através do próprio trabalho que faz no rap. Observamos que, mesmo sua intenção sendo cantar músicas sobre sua vida, por ser indígena, nas palavras do próprio rapper, “ninguém escolhe carregar herança do passado”, fazendo de sua música um protesto e uma forma de cura. Portanto, traz questões individuais que dialogam com demandas coletivas dos povos indígenas, que serão abordadas neste trabalho.
”Poke’exa Kopenoti: olhares sobre a Retomada Mãe Terra”
- Aila Villela Bolzan; Zanone Cristovão Rodrigues; Gêliane Flores
Resumo: Retomar a Mãe Terra, Êno Poke ́e, é mais do que simplesmente retomar um território. Não à toa, o nome escolhido pelo grupo de guerreiros e diplomatas Terena
(Terenóe), Kinikinau (Koinukonôen) e aliados, reforça a vitalidade que o retorno à terra, assim como estar junto a uma mãe, podem proporcionar. Envolvidos em retomar e
retornar aos seus territórios tradicionais nas abrangências do município de Miranda, TI Cachoeirinha, moradores da Retomada Mãe Terra vem experimentando há 17 anos modos singulares de se relacionar com o território, práticas agrícolas, artes e artesanatos, línguas maternas e escola multiétnica. Lideranças Terena da TI Cachoeirinha convidaram e
acolheram na Retomada parentes Kinikinau que viviam em terras Kadiwéu, os quais passaram a compor a Vila São Miguel, interna à área. O convívio recente entre as famílias
da Mãe Terra e adjacências reforça a importância de haver tanto autonomia quanto reciprocidade nas ações individuais e coletivas de seus moradores. Há um esforço cotidiano para compartilhar e transformar os múltiplos sentidos para estarem em co- vizinhança. A fim de iluminar os diferentes modos que a categoria retomada pode assumir, por meio de coautoria entre antropóloga – cujo campo etnográfico recente ocorreu nas configurações e adjacências da Mãe Terra, um Terena morador da Mãe Terra – professor e mestre em educação e uma moradora Kinikinau da vila São Miguel – graduada em letras e professora na TI Cachoeirinha, este trabalho pretende refletir e cruzar olhares acerca das experiências de se viver e também etnografar a Retomada Mãe Terra.
”Brô MC’s: juventude e liderança indígena”
- Giovanni Radaelli Cenci; Aline Castilho Crespe
Resumo: A Reserva Indígena de Dourados, Mato Grosso do Sul, foi palco para o nascimento do primeiro e mais conhecido grupo de rap indígena do Brasil: os Brô MC’s. Nativos da aldeia Bororó, os rappers guarani e kaiowá denunciam em seus versos a violência cotidiana que percorre retomadas e reservas, além do esbulho de territórios pelo agronegócio, o racismo a que estão sujeitos na cidade, a repressão por parte do Estado e a intolerância religiosa dentro das comunidades. Combinando a estética do hip-hop urbano com vestimentas, grafismos e instrumentos tradicionalmente indígenas, os Brô MC’s alavancaram carreira internacional após se apresentarem no Festival Rock in Rio 2022, carregando a tarefa de unir sua busca por influência e sucesso como artistas ao reconhecimento e respeito enquanto nativos perante os indígenas mais velhos. Neste trabalho, busco discutir, além dos aspectos citados acima, a investigação de uma terceira hipótese: o papel dos Brô MC’s de influenciar jovens indígenas a trilhar o caminho do rap e do hip hop como modo de trazer transformações políticas e sociais às suas realidades, ao mesmo tempo valorizando as demandas e preservação dos modos de vida tradicionais, demonstrando assim sua importância enquanto uma geração que domina linguagens e tecnologias emergentes que reinventam a prática da palavra cantada, exercendo como jovens indígenas a função de mensageiros e sustentadores do conhecimento tradicional dos antigos, colocando-se como protagonistas de um modo próprio de fazer política, pelos indígenas, para os indígenas.
”Traduções kaiowá sobre os brancos e para as relações com os brancos”
- Diógenes E. Cariaga
Resumo: Nesta comunicação pretendo estender algumas considerações produzidas em minha tese (CARIAGA, 2019) sobre os modos da ação política entre os Kaiowá explorando o campo conceitual e relacional de suas teorias da alteridade. Para isto pretendo tecer comentários a partir de como nas teorias kaiowá sobre seus modos de existência (ore reko) sobre as conceituações a respeito de seus outros, entre ele os brancos. O uso aspeado para a palavra branco tem como intenção explorar etnograficamente os acontecimentos míticos e sociocosmológicos e seus efeitos sobre as transformações vivenciadas pelas famílias kaiowá diante da intensificação das relações com um de seus outros, os brancos.
”Cosmografia e Epicentros em Um Território Paí/Kaiowá”
- Gustavo Costa do Carmo
Resumo: Cerro Marangatu é a forma como os Paĩ/ Kaiowá (tupi-guarani) se referem à porção sul da região da Serra de Maracaju, em uma área transfronteiriça entre o sudoeste de Mato Grosso do Sul, Brasil, e o Paraguai Oriental. Nessa grande área de forrageamento tradicional localizam-se atualmente as Terras Indígenas Pirakua, Ñande Ru Marangatu, Pysyry, Kokue’i, Tamanduary, Laranjal, Takuaju e Cerro’i. A partir da descrição de uma experiência etnográfica entre os Paĩ/ Kaiowá do Cerro Marangatu, procuro dar enfoque aos sentidos e perspectivas atribuídos aos epicentros sociocosmológicos presentes no território, enquanto elementos biológicos e minerais que, com sua zona de influência cosmopolítica espacial mais ampla, atraem os Paĩ/ Kaiowá por meio de uma circulação por esse território desde os tempos míticos até os dias em que vivemos hoje. O ponto de partida – para uma discussão simétrica entre as humanidades moleculares e intensivas do pensamento ameríndio – é que esses locais de formações naturais dispostas no território (serras, morros, matas, cavernas, depressões ou acidentes terrestres) são habitadas também por outras intencionalidades, não só os humanos com os quais convivemos e vemos, mas também os não humanos como os espíritos (de humanos), animais (ou espíritos de animais) e certas divindades (jara, xamãs celestes).
”Os Terena Diante De Promessas Ilusórias De Desenvolvimento No Decênio Final da Ditadura Civil-Militar”
- Victor Ferri Mauro
Resumo: Tendo por base informações coletadas em obras científicas, reportagens jornalísticas e documentos públicos, este trabalho analisa características dos chamados Projetos de Desenvolvimento Comunitário que a Fundação Nacional do Índio fomentou em reservas do povo Terena nas décadas de 1970 e 1980, as expectativas geradas entre as lideranças tribais e os resultados que foram alcançados até o final do período ditatorial. Anunciados com grande pompa pelo governo federal como solução que traria autonomia financeira para as aldeias, esses projetos incentivaram o direcionamento dos esforços comunitários para a produção comercial e pouco variada de gêneros agrícolas voltados para o mercado regional e a adoção de um pacote tecnológico que incluía maquinário, insumos químicos, sementes compradas e novas técnicas de produção. Autoridades governamentais alardeavam que os indígenas, adaptados a esse novo sistema, não tardariam a competir em paridade com produtores não índios e logo poderiam ser dispensados da tutela estatal e da assistência diferenciada que recebiam. Nesse processo de transição, pouco das práticas tradicionais da lavoura terena foi aproveitado e quem de fato tomava as decisões estratégicas eram os agentes do Estado. Verificou-se que após um curto período de expansão, esses projetos foram minguando ao serem paulatinamente negligenciados pelo poder público, redundando em aumentando da dependência econômica dos agricultores e na persistência da insegurança alimentar e da necessidade da venda da força de trabalho indígena para fazendas e usinas de modo a complementar a renda das famílias. Soma-se a isso os danos ambientais causados pelo desmatamento e pela reutilização intensiva do solo.
”A construção do “Kuña Reko” e seus efeitos nos processos de retomadas entre os Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul.”
- Camila Rafaela Marques Moda; Clarice Cohn; Amanda Cristina Danaga
Resumo: Essa comunicação propõe debater algo que chama atenção entre os Guarani e Kaiowá de Mato Grosso do Sul, de que os gêneros feminino e masculino, além de possuírem em conjunto seus modos de vida Guarani, detêm também o “modo de ser mulher” (Kuña’reko4) e o “modo de ser homem” (Kuimbae’reko), constituindo uma singularidade
entre o feminino e o masculino. O foco da pesquisa que embasa essa apresentação é a análise do modo como se deram esses processos, principalmente o kuña’reko, e com isso
refletir acerca de um tema e de uma situação política fundamentais no que diz respeito a essa população que vive no estado de Mato Grosso do Sul, que são as lutas por suas terras.
Juntos, homens e mulheres retomam suas terras, e o “modo de ser mulher” (kunã’reko) é fundamental para queessa sociabilidade retomada de terras entre eles aconteça de maneira
significante. O escopo desse projeto faz parte da minha pesquisa de mestrado em andamento, onde procuro compreender com maior profundidade os elementos que
compõem o kuña’reko e como ele aparece nos mitos e nas histórias contadas pelas Kaiowá e Guarani, até as experiências mais recentes, com ênfase nas retomadas.
”Distanciamento que produz “guacho”: Uma etnografia dos efeitos da extensão das medidas socioeducativas junto aos jovens indígenas em Dourados.”
- Tatiane Cristina França
Resumo: Esta pesquisa teve como objetivo analisar e discutir os impactos e formas de execução das medidas socioeducativas em meio aberto no formato de Liberdade Assistida (LA) e Prestação de Serviço Comunitário (PSC) pela política da assistência social e as violações de direitos sofridas pelos jovens indígenas Guarani e Kaiowá que passam pela intervenção do Estado. Neste contexto, pude explorar os diversos fatores que incidem sobre o impacto das medidas, como elas são refletidas pelos jovens e o reingresso à vida familiar e comunitária. Outros aspectos que merecerão destaque são as questões relacionadas a vida dentro das instituições e/ou empresas privadas onde realizam o cumprimento das medidas como também o preconceito da comunidade, para descrever o acompanhamento em Liberdade Assistida após a liberação da Unidade de Internação. Cabe ressaltar que estes jovens vivenciam desde sua infância violações de direitos decorrentes da ausência/insuficiência de renda, falta de acesso às políticas públicas e as consequências do crescimento demográfica das reservas criadas no início do século XX. Sendo assim as condições sociais desta população e o risco que estão sujeitos no cotidiano comportam um entendimento da realidade que nega sua existência como cidadão, onde os direitos elementares são negados e as violências estruturais são internalizadas em seus modos de vida.
”Os Modos de Existir dos Guarani de Ocoy no Oeste do Paraná e a Retomada de Seus Afetos e Desafetos”
- Rhuan Guilherme Tardo Ribeiro; Renato Souza da Cruz; Bruna Marques Duarte
Resumo: A construção da hidrelétrica Itaipu Binacional, marcou a história do povo Guarani de Ocoy, no oeste do Paraná, e se insere na história nacional. O sucesso da implantação do projeto dependia da desocupação da área a ser alagada, além dos espaços de terras necessárias para a construção da infraestrutura, como rodovias, pontes, linhas de transmissão, canteiros de obras e alojamentos. Aquele momento foi um marco no processo histórico fundamentado em diferentes conflitos relacionados às terras ocupadas, demarcadas e reivindicadas por esses indígenas. Infelizmente, os inúmeros transtornos, parte do processo de assentamento provisório, que só aumentaram com o passar dos anos. Coagidas e sem muitas escolhas, as famílias tiveram que encontrar meios para dar continuidade à vida, à cultura e ao cultivo de seus alimentos. Muitos fugiram dali com medo dos “brancos”, não indígenas. Além disso, metade da área cedida para a comunidade ficou alagada, submersa com o fechamento das comportas, o que diminuiu o espaço para o cultivo e manejo da terra, o que agravou mais a situação. A comunidade ficou dividida pelas águas do lago de Itaipu, instalando de maneira forçada a aldeia em dois braços do reservatório, onde se encontram até hoje. Além de tudo isso, tinham que conviver com o preconceito dirigido a eles, sendo rotulados como mestiços, paraguaios, um povo que, por ter barba, não era considerado “índio”. Ou seja, reflexos do eurocentrismo e da supremacia baseada na hegemonia colonialista e em estereótipos imperavam ali.
”Como os mortos (re)surgem: marcas do tempo sobre corpos-territórios e modos de existir a partir de um terreiro de candomblé na cidade de Dourados – MS”
- Yuri Tomaz
Resumo: Pensar modos de existir, é pensar cosmologias e as variantes envolvidas na produção de ontologias. Frente a este debate, este trabalho se interessa por uma descrição etnográfica, com tons cartográficos, de como candomblecistas (re)produzem essas agências {ontológicas} a partir de crenças e(m) cosmologias fundamentadas na eficácia, e
existência, que seres mais-que-humanos aplicam sobre o que estarei a enunciar como “corpos-territórios”. Ao evocar Dourados, cidade localizada ao sul de Mato Grosso do
Sul, como lugar em que o debate de “território(s)” sempre está envolto pelo agronegócioe disputas territoriais, procuro me ater a outras matizes sobre territórios e disputas,
compreendendo o terreiro, que é um território que reitera disputas, e os corpos que o ocupam, como territórios polissêmico, remontando a ontologia e a agudização do modo
de existir a partir de ancestrais, isto é, de mortos que (re)surgem e homologam tensões na noção ocidental de tempo, corpo (singularizado) e dualismo.
”A transformação na educação de meninas guarani e kaiowa”
- Jacy Cariz Duarte Vera
Resumo: Neste texto pretendo abordar alguns aspectos sobre as mulheres de Yvykuarusu/Takuaraty e os conhecimentos tradicionais, carregados de histórias de seus antepassados, tema de minha dissertação de mestrado em elaboração no PPGANT/UFGD. Atualmente percebo muitas preocupações com a geração atual na sociedade indígena e a necessidade de retomada dos saberes indígenas, pois, sem ter mais rituais religiosos nas comunidades e o desinteresse em conhecer os remédios tradicionais da cultura, está afetando as crianças principalmente na educação e na sua saúde corporal, espiritual e mentalmente. Os resultados de minha pesquisa apontam para a transformação na educação da menina, moça, mulher, o processo depende de como foi a criação delas nas famílias, tudo isso refletirá no sucesso que ela vai ter no seu casamento, como mãe, uma liderança, de saúde, e que no presente poderá estar repassando seu conhecimento paras seus filhos e filhas. Então a formação dela e muito importante, desde sua primeira menstruação, até que aprenda como deve se cuidar, como deve se comportar na sociedade, principalmente obedecer a seus pais.